A festa de Bom Jesus da Lapa, em Jardinópolis, completa cem anos agora em seis de agosto. A comemoração, que chega a reunir até 20 mil pessoas em procissões e romarias, tem um histórico de percalços. É permeada de desentendimentos entre sua criadora e a Igreja Católica.
Iniciada de uma promessa feita por Juventina Pereira do Nascimento, conhecida como Pequena do Nascimento, por causa de sua baixa estatura, a festa de Bom Jesus da Lapa teve sua primeira edição em 28 de julho de 1913.
Baiana de Condeúba, consta que Pequena botou os pés em Jardinópolis por volta de 1911, na companhia de familiares, que chegaram para trabalhar na lavoura de café.
"Ela tinha calos nas costas e ombros, provocados pela imagem de Bom Jesus, que insistia em carregar. A família, diante de tanto sacrifício, não recusava carona quando alguém oferecia", conta Rogélia Campelo, pesquisadora que está resgatando memórias da nordestina.
O motivo da peregrinação foi a saúde de Pequena. Ela levou um tiro na testa - não se sabe se acidental - e perdeu parcialmente a visão. Deixou Bom Jesus da Lapa, a 1.737 quilômetros de distância, e prometeu que se alcançasse a cura, ajudaria os pobres e promoveria festa para Bom Jesus.
Em Jardinópolis, ela voltou a enxergar e deu início aos festejos, com novena, terços, quermesse e baile, em frente à pensão que tinha montado, onde hoje funciona o Asilo São Vicente de Paula, na praça Mário Lins.
Pela religiosidade, logo conquistou a simpatia dos moradores e de fazendeiros. Com sua charrete, percorria sítios, de onde trazia café, milho, arroz e feijão, que transformava em alimentação para os pobres.
A festa cresce
Por vários anos, a festa funcionou defronte a sua pensão. Mas com o seguido crescimento, mudou-se para a área localizada perto da rotatória do Cristo. Em 1919, segundo registros, transferiu-se para o lugar atual (Cohab Bom Jesus), onde Pequena mandou erguer uma capela, também com a ajuda do povo, de alguns fazendeiros e de uma comadre - não identificada - que teria cedido o terreno. Os festejos se tornaram um grande sucesso. A Igreja não gostou.
A Igreja intervém
Em 1926, o bispo D. Alberto José Gonçalves proibiu o pároco João Laureano de celebrar a missa de encerramento de Bom Jesus, sob o argumento de que o festejo tinha cunho particular, desprovido de qualquer vínculo paroquial.
No ano seguinte, o padre Jayme Nogueira foi enviado a Jardinópolis com a missão de transferir o comando da festa, que pertencia à Pequena do Nascimento, para o domínio da Igreja. Não houve acordo.
Jayme Nogueira, então, apoiado pelo bispado, sugeriu a criação de uma festa paralela ao redor da Matriz Nossa Senhora Aparecida. A estratégia atraiu fiéis, mas Nossa Senhora não estava afim de dificultar o caminho do Filho.
Bom Jesus da Lapa continuou reunindo mais devotos a cada ano, com testemunhos de milagres. Pessoas curadas que deixavam próteses, fotos, sapatos, roupas e chapéus na pequena capela. Tudo isso, entretanto, colaborava para aumentar a animosidade entre a Igreja e Pequena do Nascimento.
A festa é proibida
Em 1934, percebendo que não haveria entendimento entre as partes, D. Alberto José Gonçalves agiu com rigor, ao interditar a Capela da Lapa para qualquer manifestação religiosa.
Como ninguém ousava discutir ordens do bispo, as comemorações de 1934 foram incompletas. Sem igreja, o povo não sabia para onde ir. Os romeiros vagaram pela cidade. E não houve queima de fogos (também mantida com a ajuda dos fazendeiros), a quermesse e nem o grande baile.
Na quermesse, eram leiloadas prendas como frango assado, ao molho, leitoas, cabritos, bolos e outros quitutes. O dinheiro arrecadado era inteiramente destinado aos pobres do município. Em 1934, sem os recursos, os desassistidos ficaram mais carentes ainda. O povo percebeu.
A decisão da Igreja feriu os organizadores da festa da Lapa. Mas atingiu também os políticos e grandes fazendeiros, que se sentiram forçados a tomar partido. Não havia sentido em interromper uma festa religiosa tão bonita, onde milagres eram testemunhados com frequência.
O acordo
Depois de tensas conversações, um acordo transferiu a organização da festa para a Igreja. A escritura da cessão é datada de 28 de julho de 1935 e foi lavrada num cartório de Batatais. Pequena do Nascimento cedeu. Em compensação, o seu prestígio com os fazendeiros e o povo aumentou.
Com o passar dos anos, já sob a tutela do padre Moisés (falecido), várias glebas foram anexadas ao terreno da Capela de Bom Jesus. A festa, embora sob a direção da Igreja, continuou tendo em Pequena do Nascimento, sua grande benemérita.
A última festa
A comemoração de 1950, foi a última com a participação da valente e querida baiana de Condeúba. Já adoentada, Pequena faleceu no dia 17 de setembro, com 65 anos, de morte natural, conforme atestado médico. A última informação de alguém de sua família é de um neto que há muitos anos não é mais visto em Jardinópolis.
Surge o Santuário
Em 20 de maio de 2006, o arcebispo Dom Arnaldo Ribeiro criou o Santuário Senhor Bom Jesus da Lapa e nomeou o padre Ilson Vicente Olímpio como reitor.
Mineiro de Varginha, 47 anos, e com a experiência de ter sido reitor do Seminário de Brodowski, padre Ilson apaixonou-se pelo seu novo trabalho. Nos últimos anos, tudo melhorou no Santuário. A capela levantada por Pequena do Nascimento ganhou a companhia de outras duas - de São José e Maria Soledade - que formam a Sagrada Família, para 519 pessoas. Missas para vinte mil fiéis são campais.
Há três meses, iniciou-se a construção de uma torre de 15 metros, onde deve ser instalado um sino de bronze. Deve. A incerteza é em razão do preço da peça, feita artesanalmente, orçada entre R$10 mil a R$ 20 mil.
Na opinião do reitor do Santuário, a festa existe até hoje, com tamanho vigor, porque foi criada pelo povo. Não foi imposta por ninguém.
" A fé nasceu do povo. O que a Igreja fez foi zelar pelos festejos", disse.
Imagem de Bom Jesus baiano chega em março
A programação do centenário da festa da Transfiguração do Senhor começou em janeiro e vai até o final de agosto.
Uma das atrações está marcada para os dias 25 e 26 de maio, com a visita da imagem do Senhor Bom Jesus da Lapa do Santuário baiano de Bom Jesus, trazida pelo bispo local, Dom César Teixeira. (veja arte).
O desembarque da imagem será em Ribeirão Preto, no aeroporto Leite Lopes, de onde segue em carreata até Jardinópolis.
Em janeiro, durante três dias, 43 jardinopolenses estiveram em peregrinação ao Santuário baiano, em viagem de 5.500 quilômetros (ida e volta).